Política, Empreendedorismo e a Comunicação do Justo

Durante a pandemia o Yudi, que alem de sócio do Justo é professor de Gastronomia na UFCSPA me convidou para palestrar para seus alunos sobre a comunicação de um bar. O texto a seguir foi o meu preparo para a palestra, mas lá no final tu pode assistir ela na íntegra com perguntas dos alunos:

Olá, eu sou o Adelino Bilhalva, um dos sócios do Justo e a proposta aqui é falar um pouco sobre a comunicação na gastronomia , especialmente no meu  case com o Justo, mas antes acho necessárias algumas contextualizações.

Soltem os violinos que ele vem contar uma história triste. Sempre fazem essa brincadeira quando começo a falar do meu passado pobre na periferia de Alvorada, que é periferia de Porto Alegre. Mas não é tão engraçado pra mim quanto pode parecer para os outros. O fato é que me criei com pouco. Me recordo de ter três brinquedos a maioria da infância: uma bicicleta de segunda mão, um pote blocos de montar e um skate. Tudo que eu brinquei além disso eu tive que criar. Meu pai era mecânico e tinha uma oficina completa em casa. Quando ele saia eu ia para lá e criava carrinhos, estilingues e as mais sofisticadas estrelas ninjas de tampinha de garrafa realmente cortantes. Isso de certa forma me moldou e aprendi a me divertir mesmo sem muitos recursos.

Depois de quebrar umas 3 empresas e falir bancando do bolso dezenas de projetos

No ensino médio cursei um técnico em propaganda, entrei para o mercado de publicidade e como a grana sempre foi curta eu desenvolvi quase uma centena de projetos paralelos nos horários que eu não era empregado de alguém. Eu nem sabia, mas estava empreendendo. Foram muitas bandas de rock, projetos artísticos, coletivos, editoriais, sites, teve até turnê internacional de banda, empresa de moda e agência de design. Depois veio a era do Youtube e comecei a criar vídeos para os meus projetos. Parece que eu to contando os meus cases de sucesso e de certa forma todos eles foram bem sucedidos, mas financeiramente todos deram prejuízo. E esse é um ponto que eu quero que vocês prestem muita atenção.
Bom, lá por 2013 o youtube estava começando a aparecer com força e eu criei um canal chamado Guia de Sobrevivência Gastronômica para mostrar os lugares trash da cidade. Eu nem sabia que na mesma época tava acontecendo um boom na gastronomia por aqui, mas acabei entrando nessa onda. Depois, com o André Neto, que é músico, desenvolvi o canal Cozinheiro Amador. Em função do canal fomos convidados a participar de um reality na tv Record com o Buddy Valastro, a Batalha dos Cozinheiros e por acaso fomos os vencedores, cozinhando comida caseira no feeling. A gastronomia foi tomando conta da minha vida.
A partir daí surge o Justo, uma ideia meio diferente que tive com a minha esposa e que contei para o Ricardo Yudi foi tomando conta de nós e em menos de um mês depois de dividir a ideia com ele, a gente já tinha começado a obra sem nem saber direito o que iríamos servir. De contextualização estamos bem.

Depois de quebrar umas 3 empresas e falir bancando do bolso dezenas de projetos, eu já sabia muito bem o que funcionava e o que funcionava na hora de começar um novo negócio e é isso que eu quero dividir agora com vocês.

  1. Não da pra acreditar que o seu negócio é totalmente inovador e disruptivo só com o que tem na sua cabeça. Nada se faz sozinho, então, além de bons sócios, a tua comunidade é vital para criar, prototipar e validar grande ideias. No Justo, a comunicação começou na obra (que aconteceu ao mesmo tempo em que a gente planejava a ideia toda pois nunca tivemos um plano de negócios). Eu postei semanalmente no meu canal tudo de novo que acontecia durante os 6 meses até abrir e obtivemos feedbacks vitais do público.
  2. Eu vim de um lugar onde todo mundo era pobre. Nunca me senti muito a vontade em lugar de gente abastada e apesar de acreditar que o trabalho na gastronomia é servir, nunca quis criar algo que fosse feito para uma dita elite. A elite nunca fez nada pros meus. Criamos o Justo com a ideia de servir a todos. Levar uma gastronomia de alta qualidade ao alcance de qualquer poder aquisitivo. Para isso a gente precisou criar um modelo novo de negócio onde trabalhamos junto com a indústria para aproximar as marcas com o consumidor final, fazer lobby com o mercado e baratear ao máximo o preço dos produtos para vender na quantidade. Foi difícil fazer essa comunicação pois raramente o consumidor encontra algo de alta qualidade por preço baixo e é aí que entra o terceiro ponto.
  3. Queira você ou não, gastronomia é um ato político. Sempre. Se você fizer a tal “alta gastronomia” entenda que o produto já sai carimbado como algo feito para a elite. Quem é a elite na fila do pão? Por que querem pagar R$ 400 em uma sequência com folhinha de ouro enquanto tem gente passando fome?É impossível ignorar isso no país em que vivemos. Não da pra fingir que pagar em uma refeição o equivalente ao que uma família inteira tem para o mês todo não é um ato político. Não falar sobre isso também é política. E é por isso que o Justo se posiciona tanto sobre isso.
Uma das edições da Pizza dos Funcionários

No nosso segundo ano decidimos que o bar estava nos trilhos e começamos a desenvolver projetos musicais e palestras com temas com pautas raciais, de identidade de gênero, lgbtqfobia, indígenas, etc e o bar ficou conhecido como um local de esquerda. Eu acho curioso que lutar contra o racismo seja uma pauta só da esquerda. Não deveria ser uma questão de todos?
Sempre levamos essas questões para o público e para os funcionários desenvolvendo projetos internos de melhoramento pessoal e profissional e criamos a Pizza dos Funcionários, um projeto para ensinar eles a empreender, onde a venda de pizzas de um dia por mês era dividida entre eles, dando até um 15º salário.

Frame de uma das edições do Papo Justo com Atena Roveda.

Um dos meus sócios, o RIcardo Yudi falou certa vez que a alta gastronomia sequestra a ciência em torno da alimentação para essa tal elite.Quando a gente fala em democratizar a gastronomia e aborda pautas sociais, estamos colocando a nossa verdade no negócio. Comunicar isso fez com que cada vez mais encontrássemos o nosso público. Um público que entende que é ok encarar uma fila pra buscar sua comida e levar o prato de volta na cozinha se isso vai ajudar a ter uma pizza por R$ 10,00. Um público que entende é importante valorizar o trabalho dos funcionários. Que prefere ser fiel à uma empresa que destina parte do seu tempo para contribuir com a cidade. Mas isso é a nossa verdade. É o resultado das nossas infâncias. Funciona pra nós. Pode funcionar para você? Só se for verdade.

Adelino Bilhalva
Sócio/Marketing

Palestra na íntegra